sábado, 20 de abril de 2024

As 29 são as melhores? E as 26, coisa do passado?

Sobre tamanho de roda, começo chutando o pau da barraca: meu sonho seria encontrar a Nishiki de triathlon aro 24 que vi faz muito tempo na Ciclo Caravelle e sair para dar uma volta, e talvez comprar. Imagino que a aceleração deve ser de um foguete. Deve ser muito mais arisca que as com rodas normais. O rodar mais áspero, irregularidades e buracos mais sentidos, a manutenção da cadência muito diferente das 700. As subidas..., acho que tranquilas, principalmente se tiver que mudar de velocidade ou cadência. Tudo efeito aro 24.


O que mais cansa nesta história da geração 29 é o pessoal achando estranho ou até um absurdo você estar pedalando uma 26. Não pode! 29 é o bicho! 
Será que as 29 são melhores que as 26? Depende para que e para onde, cada uma tem seus pró e contras. 
Eu tenho uma 29, mas prefiro minhas 26. Guardo a 29 para quando for para a terra ou para momentos muito específicos. Pedalar uma e outra é técnica bem diferente. Diâmetro diferente, pedalar diferente. O ideal seria experimentar varias rodagens diferentes para ver o que se aprende com elas. E vou dizer que se aprende muito.

Minha primeira bicicleta, já com corpo adulto, foi uma Monareta aro 20. Era um foguete. A bem da verdade, nos meus 14 anos eu também. Não me lembrava, mas Renata me contou que eu ia até a casa deles, meus primos, pedalando. Para chegar tinha uma belíssima subida, vencida numa aro 20 sem marcha. Juventude é uma maravilha, aro 20 também.

Minhas primeiras bicicletas, já com CNH (que maravilha!?!), foram aro 27, a Caloi SS 1977 e a Caloi 10. As bicicletas mais populares da época, as "barra", Monark Barra Circular e Caloi Barra Forte, mais as femininas e derivadas, tinham rodas 26 1 1/2 com pneus balão, 2.1. Em 1981 comprei uma Barra Forte feminina que usava para ir ao trabalho, professor. Era pesada e para não chegar ensopado na subida mais ingrime empurrava. 

E aí, em 1986, apareceu o mountain bike com suas rodas aro 26. Bingo! Que delícia! Minha primeira foi a Cruizer Extra Light 26 pneus 2.1.. Uns bons anos depois consegui comprar minha primeira MTB. Logo depois ganhei, como prêmio de trabalho, uma M2 com rodas com rodas Z21 Pro e pneus de competição, de mundial, um outro planeta, uma história a parte que conto em outro texto. A diferença para tudo que tinha pedalado foi monumental.
   
A primeira vez que pedalei uma aro 28 1 5/8, uma medida sueca que não existe mais, fiquei fascinado. Bicicleta tradicional, pesada, aro de aço, pesado, pneu 41 de alta pressão, bom de rodar. Sair do lugar com ela era quase um sacrifício, mas depois que ela embalava era uma delícia que não parava mais. Ali descobri que quanto maior a roda, mais ela mantém o rodar, ou, depois de embalar é uma beleza. Subidas? Se tiver pernas o negócio é não deixar a cadência cair. 

Dito tudo isto, qual é a melhor, 29 ou 26? Depende de uma série de fatores. São várias as questões que envolvem o diâmetro da roda, mas talvez o mais importante, o decisivo, seja "vendas". Sim, vendas. O mercado precisava de novidade, tentaram as 27.5 e as 29. As 27.5 micaram, as 29 foram em frente. Uma das razões é simples: o aro usado nas 29 é o 700C, o mesmo usado nas híbridas, urbanas, road bike ou speed, triathlon...; ou na maioria das bicicletas padrão europeu. Em outras palavras, menos estoque nas fabricas e bicicletarias, menor custo... E o povo precisa de novidade. Bingo!

Por que chama 29? Porque o diâmetro total, com pneu cheio, é de 29 polegadas. As 26 é a mesma coisa. 

A diferença no pedalar? As 29 são mais macias para o ciclista, passam mais fácil pelos buracos. São menos ariscas, tem reações mais previsíveis, mais faceis de corrigir, o que é ótimo para a maioria dos que pedalam, que não são, nem querem ser profissionais ou amadores sérios. 

Como já disse, o comportamento do rodar está relacionado com o diâmetro do aro mais do pneu, largura e pressão do pneu, e o peso total da roda, para simplificar muito a história. Física pura.
Quanto maior o diâmetro total da roda, mais lento é o acelerar e mais fácil de manter a velocidade, também simplificando muito. Responde às leis de física, ponto final. Pegando uma pedra, amarrando num barbante e dando voltas na pedra é  fácil entender as diferenças. Mantendo-se a mesma pedra, ou o mesmo peso, maior o comprimento do barbante, mais complicado é acelerar. Depois de acelerada, mais fácil manter o movimento. 

A tabela de medidas de aros e pneus do maravilhoso site Sheldon Brown até assusta pela quantidade de medidas que já existiram. Felizmente, repito, felizmente racionalizaram e hoje se tem só algumas medidas de aros e pneus. Racionalização através da padronização é o que de mais respeituoso se pode fazer com os usuários. Espero que um dia aconteça o mesmo com as gancheiras de câmbio, que hoje são uma loucura de desenhos variados.

Valter Busto tem em sua coleção bicicletas com rodagens obsoletas que são praticamente impossíveis de encontrar pneus próprios.

sábado, 13 de abril de 2024

Aro que dá pulo

- Como vocês (experimentados mecânicos de bicicleta) sabem se um aro vai dar pulo antes de montar (a roda)?
Ele pegou o primeiro aro simples e barato que apareceu e apontou para um sensível desalinhamento entre as paredes de emenda e disse sem piedade e em cima de seus mais de 40 anos como respeitado mecânico:
- Aro brasileiro pula. Você pega qualquer aro importado e ele não vai pular.
No caso ele estava falando sobre pulo que dá quando se freia com V-brake, e eu tinha perguntado sobre o pulo da centragem. Ou, o aro vir de fábrica meio ovalizado, outro erro de emenda.
- Não tem jeito, respondeu. Nunca acontece com aro importado de qualidade. E encerrou a conversa mostrando sua irritação com baixa qualidade.

É triste, muito triste que a indústria nacional não consiga fabricar aros alinhados e centrados. O processo de fabricação é muito básico, simples de controlar. 
Numa máquina entra um perfil contínuo de alumínio que é dobrado até ficar redondo e no tamanho do aro desejado. O futuro aro então é cortado e para fechar, as pontas recebem ou pinos ou solda, e o aro está praticamente pronto. Se houver uma possível rebarba de corte tem que ser limpa, o que nem sempre acontece. O aro fechado entra numa segunda máquina que faz a furação para os raios e o bico da câmara, e, de novo, se houver rebarbas estas devem ser limpas.  
Aros para freios de sapata, ferradura, cantilever ou V-brake recebem, ou deveriam receber, uma fresagem na parede para não dar pulo na frenagem.
Repito, o processo é muito simples, básico, coisa de indústria de primeira ou segunda geração. Dá para fabricar um bom aro sem ter que recorrer a máquinas digitais sofisticadas, caras. Basta manter bem ajustada a máquina, tirando as folgas que acontecem com o tempo, principalmente nas de corte. Aí entra, ou deveria ter entrado, um funcionário de extrema importância em todo processo: o ferramenteiro, o sujeito que inspeciona, cuida, faz manutenção e ajusta as ferramentas da fábrica. A questão é que para fazer a manutenção de uma máquina é necessário parar o processo produtivo, então muitos fabricantes deixam um pouco mais para frente e as folgas na máquina vão aumentando. Quem fabrica sabe que vende mesmo assim. 
O Brasil está praticamente fora do jogo industrial do mercado global. É sobre isto que se está discutindo agora no Governo Federal e Congresso. Sem um setor industrial forte estamos fodidos, literalmente. Faz muito tempo que não entro em fabricas ou fabriquetas, mas basta olhar o que temos "made in Brasil" para ter certeza que estamos muito mal no pedaço. Acho deprimente que seja colocado a venda produtos de baixa precisão, produtos que vão dar defeito e que provavelmente gerarão lixo. 
Não adianta falar, porque contra qualquer reclamação está um povo que compra. Neste meu caso, comprei por pura crença, boa fé, que o problema nos aros nacionais não acontecia mais. De boa fé o inferno está cheio. Lá vou eu! 

Montei a última bicicleta a partir o zero. Tiraram sarro da minha cara quando disse isto, mas agora creio é que a final, até porque acabara-se as peças que tinha estocado. Me faz bem, me acalma, vou aos poucos, pegando para montar quando estou para explodir. O processo demorou muito porque este quadro de Trek tem um suporte de freio a disco completamente estúpido que demorei uns 3 anos para conseguir. O resto das peças ou eu tinha ou fui comprando muito aos poucos. Não recomendo que façam o mesmo porque sai bem mais caro que comprar uma nova com garantia de fábrica. E dá muito menos dor de cabeça depois. Me faz bem ficar dando os ajustes finos, mas confesso que também enlouquece. 
Enfim, montar do zero, pelo menos para mim, sai mais barato que pedir socorro para um médico, e muito menos daninho que tomar remédio.

Comprei os aros numa bicicletaria tradicional de São José dos Campos. Montei primeiro o dianteiro, que estava tão alinhado quanto o esperado. Um detalhe, procurei muito aros de parede simples, não aero, mas não encontrei qualquer coisa que preste. Que seja aero, é o que encontrei, foi o que comprei, mas não gosto. 

Montei o traseiro feliz da vida e fui para a centragem. O pulo na emenda..., melhor, o buraco na emenda não dá para tirar, não importa o que se faça. 
Aros de parede simples são mais moles e com uma técnica específica é possível tirar um pequeno afundamento ou calombo. Num aro aero, que é de parede dupla, muito rígido, simplesmente não dá, pelo menos nunca soube como fazer, se é que tem como fazer, o que duvido.

Outro ponto, este mais importante, é que com um aro ovalado não se consegue a tensão uniforme nos raios. Neste meu caso em específico, na roda traseira, uns raios ficaram pouco tensos e com o rodar insistem em ficar completamente soltos, sem tensão. Tive que dar um pouco mais de tensão neles, o que acentuou o pulo da centragem. Resumo: vou ter que trocar o aro. Aliás, vou trocar os dois aros.

A bicicleta nova é freio a disco, e só se encontra aros 36 furos para V-brake, ou seja com a parede fresada. Um leigo vai achar estes aros, mesmo um pouco ovalizados, ótimos, porque com a fresagem o frear não vai dar trancos, ou pulos.

Meu sonho era montar esta bicicleta com aros de parede simples. Por que? São mais leves que os aero, os de parede dupla. "Mas os de parede simples entortam mais fácil", dirão. Depende da qualidade e de como o ciclista pedala. O mountain bike começou com aros simples e eles aguentavam uma barbaridade. Aros aero foram introduzidos no mercado para público leigo, e por razões internas das bicicletarias, principalmente a baixa qualidade do serviço prestado por boa parte dos mecânicos.  

É muito simples saber se um aro tem qualidade. Depois de bem centrado os raios de cada lado ficam com a mesma tensão. Basta dar uma batidinha, percutir cada um e ouvir o som, que tem que ser igual em todos, a mesma nota musical. Vale lembrar que quando a roda tem guarda-chuva, como na traseira ou com freio a disco, o som, a tonalidade dos raios difere um pouco de um lado para o outro.

Num de baixa qualidade é impossível ter os raios tensionados por igual. Daí desalinharem com frequência. Ou amassarem.



quarta-feira, 10 de abril de 2024

Pequenas bicicletarias, pobres bicicletarias

Cheguei na bicicletaria para perguntar se tinham um pneu básico e o dono estava discutindo uma diferença de caixa de R$ 1,00 com o funcionário. Pensei eu "Uau! R$ 1,00 de diferença de caixa e uma conversa com toda esta seriedade? Faz diferença mesmo para ele?" Sim faz! Sinal claro de como é dura a vida das pequenas bicicletarias.
Ele terminou o que estava fazendo e veio me atender. A bicicletaria é muito simples, com paredes ponteadas por uns poucos produtos de forma a não deixar a parede completamente vazia. Ele não tinha o pneu abiscoitado nacional que eu procurava, mas tinha um similar chinês pelo mesmo preço. " Não estou comprando o nacional. Subiu muito de preço. Para mim não está compensando mais. O importado entra por R$ 29,00 e o nacional por R$ 32,00, e tenho que vender os dois pelo mesmo preço, R$ 50,00" terminou ele. R$ 3,00 de diferença em cada pneu e não fecha a conta? Sim, não fecha a conta. Quem vive em bairro bom de cidade grande e rica não faz ideia de como são as coisas no resto do país.
 
Pneu é um artigo que demora no estoque. A reposição é lenta, bem lenta, mesmo entre os pneus de baixa qualidade. A Decathlon parou de vender pneus porque o giro é baixíssimo e fabricantes e importadores só negociam grandes quantidades. Não perguntei como é o giro dos pneus naquela bicicletaria até porque trabalhar com um orçamento tão apertado para mim foi um choque. 

O manobrista do estacionamento aqui em frente comprou uma bicicleta usada para vir trabalhar. Fora os pneus muito gastos, o resto está em bom estado. A muito custo consegui convencê-lo a continuar rodando com aqueles pneus mais um pouco. Ele concordou porque para ele R$ 130,00 de dois novos faz muita diferença. R$ 130,00? Mas não escrevi que pneus básicos novos não custam R$ 50,00 cada um? Sim, em Penedo, não na favela onde o manobrista mora. Por que?

Não sei como está hoje, mas faz um bom tempo conversei com um dos donos das bicicletarias que ficam próximos as balsas do Guarujá, onde só vai trabalhador de baixa renda. A qualidade geral do que vendia, naquela época, faz tempo, era bem baixa. Perguntei por que e a resposta foi direta: 
- Se eu vender qualidade vou a falência. O pessoal tem que voltar para fazer manutenção ou trocar peças ou não sobrevivo.
Ups! Infelizmente a mais pura verdade.

A diferença para a pequena bicicletaria de uma cidade pequena é que todos se conhecem, o que transforma o negócio em coisa pessoal. O bicicleteiro tem que vender produtos e serviços baratos, mas não pode sacanear. Ele ganha pouco, mas mantem-se, sobrevive. 
Onde tem muito cliente, se o negócio perde um logo vem outro. 

Eu tenho o maior respeito por estas bicicletarias pequenas de periferia ou interior. A vida deles não é fácil. Mais, muitos deles são bons no que fazem. São mecânicos de bicicleta para valer. Alguns estão mais para milagreiros. 

Cada subida é uma subida: Penedo - Visconde de Mauá

Subidas, ah! doces subidas! A cada dia adoro mais subir, qualquer subida, principalmente as mais longas. Desta vez, mais uma vez, subi de Penedo para o topo da serra que leva para Visconde de Mauá. A altimetria acumulada? Não sei ao certo, mas algo em torno de 1.000 metros. Interessante, mas o Google deu três números para a altimetria, vai lá saber. Que seja, foi uma delícia. 

Penedo é uma simpatia. A cidade, pelo menos para este turista, pode ser dividida em duas, as ruas do centrinho, a que entra e a que sai, e a estradinha onde estão as casas dos moradores mais abastados, que é uma coisa linda. Fiquei no Hotel Daniela, que é um pouco para lá do centrinho, no fundo da cidade, uma residência com arquitetura dos anos 70, maravilhosa, ao lado do rio, que me lembra bons momentos de minha infância. Tem vários restaurantes, mas fico com dois bons, o Duo e Petit Gourmet. Penedo é calma, os turistas não são agressivos, barulhentos, e mesmo com o centrinho movimentado o ambiente é tranquilo. Enfim, Penedo me faz bem. E a estradinha dos moradores..., uma delícia de pedalar, ou caminhar, ou correr, ou ficar olhando as montanhas do Parque de Itatiaia...

Para o Mirante da Luz, o topo da serra para Visconde de Mauá, são 25 km de Penedo. A serra tem 784 metros de altimetria em 12.5 km, em uma subida mais ou menos constante. Subi num sábado pela manhã, não muito cedo, e para minha surpreza o trânsito de carros foi pequeno.

Cada subida é uma subida, e esta foi dura, bem dura, mesmo subindo a passo de tartaruga. No começo da serra parei para fazer um pipi e encontrei um sujeito de mais de 50 anos, Marcio ou Marcos Montanha, que iria iniciar a subida da serra correndo a pé. Ele me disse "Você vai me ultrapassar no meio da serra", e enquanto ele falava eu pensava "Conheço este pessoal (corredores de montanha). Ele é que vai me passar". Dito e feito, no meio da serra lá veio ele e seu acompanhante pedalando, conversamos cordialmente até ele sumir numa curva. 

Eu demorei exatas duas horas para subir os 12.5 km, ou, fiz uma média de 6. alguma coisa, bem baixa, mas a possível. Cheguei literalmente empapado, como não me lembro de ter terminado qualquer outra subida ou serra, mas feliz, muito feliz. 

Quando fui para Penedo pretendia subir para Visconde de Mauá, descansar uns dois dias e subir de Engenheiro Passos para Garganta do Registro, minha paixão, com 1.406 de altimetria e uma paisagem maravilhosa. Não deu. Cada subida é uma subida, e não sei porque desta vez fiquei muito cansado. Se forçasse a barra conseguiria subir a outra, mas para que?

Indo para a serra parei para ajudar um casal. Ela estava com fortes cãimbras nas pernas muito antes de chegar ao pé da serra. Mais a frente encontrei o que descobrir ser o resto do grupo que estava com o casal.  A distância entre os dois deixou claro que a maioria fez seu rítmo esquecendo que a menina era mais lenta, desatenção infelizmente comum entre os grupos de ciclismo. 
Estas situações me levam a outros pontos: 
  • faça seu ritmo, não morra por conta da ansiedade, do ter que pedalar como os outros. Você é você. Eles são eles. Não se divirta para a felicidade deles.
  • subir montanhas é ótimo exatamente para ensinar o controle da ansiedade, que é o que mais derruba o ciclista
  • Comece devagar para terminar bem
  • Não conseguiu? Ótimo. Você teve consciência de seus limites. Parabéns
  • E jamais se esqueça: cada subida é uma subida; nunca é a mesma coisa. Um dia vai melhor, outro nem tanto, assim é a vida.






terça-feira, 12 de março de 2024

Por que o ciclismo brasileiro é tão precário?

"O que falta no Brasil é união", resposta do "Pé de Chinelo" sobre porque um determinado esporte não vai para frente no Brasil. O dito "Pé de Chinelo", como é chamado por muitos brasileiros numa referência pateticamente ofensiva, foi vencedor em todas as categorias por onde passou, aqui e lá fora, tem 11 vitórias na categoria mais alta e respeitada do planeta, é respeitadíssimo fora do Brasil, e finalmente, continua ganhando provas e campeonatos os mais importantes. Aqui, no Brasil, é "Pé de Chinelo", como os bobos gostam de tirar sarro. Para quem não sabe ainda, no fim deste texto conto quem é.

"O que falta no Brasil é união", diz com toda propriedade todo e qualquer atleta ou esportista que conheça os bastidores dos nossos esportes. Há exceções, sim há, mas a picuinha, o criticar, mal dizer, é regra, o esporte preferido entre os brasileiros. União? Tudo indica que não é nosso esporte predileto. Vamos na base do "nós e os outros", disputa renhida para saber quem é o bom, o gostoso, o melhor, o mais sábio, o mais inteligente, o mais forte... Viramos o país do "Nós e (ou) os outros"?

Brasil não respeita seus bons filhos, os que deixam um legado para o país. São inúmeros os exemplos deste desrespeito nacional. São inúmeros os nomes esquecidos, o que não raro é mais que um desrespeito. Faz um bom tempo escrevi sobre os esquecidos no ciclismo nacional, e me retive no ciclismo para não alongar a perder de vista a história. 
Boa parte destes verdadeiros heróis nacionais, brasileiros, os que foram chegando nas vitórias, na glória, praticamente sem qualquer apoio. Venceram. Aqui raríssimos sabem seus nomes, nem seus títulos, ninguém se interessa; mas no pódio os vitoriosos não são um sujeito com nome, sobrenome e luta, mas passa a ser o Brasil que está lá no pódio. 

Acompanho a bicicleta e um pouco de todas as modalidades de ciclismo praticadas no Brasil e afirmo que estou exausto de ver a coisa desandar. Vi o BMX, o mountain bike, o ciclismo, todos serem destruídos por imbecilidades, mesquinharias, incompetência, e pelo que me contaram, má fé. O que quer que tenha acontecido, vi o ciclismo brasileiro ser jogado no lixo mais de uma vez. Deprimente!
Eu soltei o texto e pensei mais um pouco: "Arturo, deixa de ser sabão!" Eu escrevi para a Bicisport e minha primeira matéria foi sobre a briga que naquele momento, 1988, se não me falha a memória, decretaria o fim do excelente trabalho do Niceu Sato, que comandava a "família BMX". Sim, era coisa de família, no sentido literal da palavra. Em 1991 vi o mountain bike que havia nascido bem, ia de vento em popa crescendo sem parar, ser trucidado pelo mesmo pessoal. Pelo que ouvia na época o ciclismo teve os mesmos problemas e andava muito. Nomes? Está na Bicisport, por favor leiam. Fato é que um grupelho, que por sinal patrocinava o esporte, queria ter plenos poderes em tudo e conseguiu de maneira não simpática nem agradável, com resultados péssimos em todos sentidos. BMX e mountain bike demoraram para se recuperar, o ciclismo demorou mais ainda. O que aconteceu de bom depois foi muito mais fruto de abnegados e amantes do esporte, que persistiram mesmo num ambiente para lá de pesado e contra-produtivo.  O que o povão lembra e fala é do nome do patrocinador, o mesmo que mandava e desmandava com mão pesada e arrebentou com tudo. 

A definição do que é o ciclismo no Brasil? Simples, o Brasil tem algo em torno de 30 milhões de cidadãos pedalando no dia a dia, e não conseguimos ter um representante nacional nas grandes provas europeias. Precisa dizer mais? 
Exclusividade do ciclismo? Emerson, Piquet e Senna ganharam 8 Campeonatos Mundiais de Piloto da F1 em 21 anos. Depois vieram Barrichello e Massa, dentre outros pilotos ótimos. E agora não temos representante na F1? Por que será?
A falta de apoio no Brasil aos esportes é uma vergonha! 

A última maluquice no ciclismo nacional vem acontecendo com Henrique Avancini, que só tem três títulos mundiais no mountain bike, nada mais. Mais, a UCI, União Internacional de Ciclismo, lhe deu o título de Embaixador do Mountain Bike Mundial. Mais uma vez, como tantas outras, com tanta infeliz frequência, não se respeitou nada nem ninguém. Infelizmente para alguns parece que Avancini é um bosta. Deprimente!

O deprimente é que toda vez que um esporte no Brasil vai bem acaba trucidado por interesses mesquinhos, não raro criminais, como diz a grande imprensa. 
Começo e termino minha crítica pelo dito "esporte nacional", o futebol, o mesmo dos 7X1 e dos resultados impensáveis que estamos tendo ultimamente. Não vou me alongar para falar dos problemas financeiros (problemas financeiros?) que destroem times, os mais tradicionais, dentre outros "pequenos" detalhes. 

Aliás, falei de futebol, falei tudo. O resto não existe, o resto é resto. Que resto? Os outros esportes, todos outros esportes, todos que não são divulgados, que não são lembrados, que na realidade só existem quando algum maluco sobe ao pódio e aí vira "Brasil". Os de ponta entendem quando os chamo de "malucos", porque só sendo maluco é que se aguenta o que temos no esporte brasileiro.
Até pouco tempo o esporte olímpico com mais medalhas era a vela. O que vai acontecer com ela quando acabar esta geração de dirigentes e esportistas vitoriosos? 
 
Minha querida prima Thereza diz que "amor emburrecer". Sem dúvida, mas êta burrice deliciosa que é o esporte. Nós, os sérios, amamos o esporte. Mas como tem gente que suga do esporte, opa! como tem! E se aceita com silêncio.

Conheço um monte de campeões e com eles aprendi muito sobre a vida, sobre como encontrar um caminho e chegar a bons resultados, no esporte, para a vida.

Rubens Barrichello, o homem que citei no começo é Rubens Barrichello. Tenho visto uma série de entrevistas dele no YouTube e estou muito impressionado com o homem, o ser humano Rubens Barrichello, a maturidade de seu valores, sua dignidade. 
Mesmo antes de ver suas entrevistas, sempre achei que Rubens Barrichello é uma melhor referencia para o Brasil que o Airton Senna. Senna foi um esportista completamente fora da curva, excepcional,  fazia mágicas, coisas que o pessoal tem dificuldade de entender até agora. Senna não serve como referência para os simples mortais porque era único, diferenciado. Como Pelé, o Atleta do Século, acabou, não vai ter outro. São pessoas muito especiais que devem admiradas, mas não como referência. 

Rubens Barrichello é um lutador, um trabalhador excepcional, um exemplo para todo brasileiro. "O que falta no Brasil é união" é a mais pura verdade. No esporte então...  



domingo, 10 de março de 2024

Mercado de bicicleta implodiu?

Tenho vários amigos que são donos de bicicletarias. Para eles e para os que me perguntam por que não sou dono de uma, respondo na lata:
- Sou completamente louco, mas não sou dono de bicicletaria. 
A maioria destes amigos repete a minha resposta quando me vê rindo da própria situação. Mercado de bicicleta é um dos negócios mais difíceis que alguém pode se meter. Melhorou muito, é muito mais organizado, profissional, mesmo assim é dificílimo, uma loucura para poucos (sobreviventes).

Eu sabia que o setor de bicicletas está passando por uma fase muito difícil, mas não imaginava que o buraco fosse tão embaixo como diz um artigo da Bike Magazine. 

Ano passado o UBS, um dos maiores bancos do planeta, soltou uma análise sobre o futuro dos transportes no mundo nos próximos 10 anos e para meu espanto (ou não) bicicleta e ônibus aparecem com investimento praticamente zero. 

A aposta e ou a sobrevivência do setor vem sem sendo jogada no lucro das bicicletas caras, de elite. Fiquei embasbacado em Mossoró quando entrei numa bicicletaria de luxo, e mais embasbacado ainda quando me disseram que as vendas pelo interior, leia-se sertão, iam de sol a pino e vento em popa. 
Bicicleta cara, uma moda? Gostaria que não fosse, mas no meio do dinheiro farto tudo é meio fugaz. Se fosse meio fulgaz seria ótimo. Duvido que passe disto.

E as bicicletas populares? Por diversas razões estão sendo substituídas por motos. Acredito que uma das razões vem da baixa qualidade das bicicletas populares, as baratinhas, que quebram, quebram, quebram... Melhoraram muito, mas muito mesmo, com a importação generalizada. Para a população de baixa renda moto é mais prática e acaba saindo mais barato também por diversas razões.

Rentabilidade mais estável vem com venda em massa, em grandes quantidades, e lucro apertado por venda realizada. Mercado de luxo é uma outra história, acaba se afunilando e dando espaço para poucos, bem poucos, que ganham muito enquanto produzem o que brilha nos olhos de quem pode pagar. A questão é que um dia chega uma coisa nova, uma marca diferente, alguém diz que é legal, que é o must, novo objeto de desejo, e todo mundo corre para aquele lado. Quantas bicicletarias chiques você viu abrir e fechar nos últimos anos? Quantas marcas de bicicleta eram o must e foram comidas por uma nova que é a bicicleta de uma equipe que está correndo o Tour de France e que até ontem era completamente desconhecida?

O setor de bicicleta tem um novo aliado para as vendas, que é o colapso das cidades. O automóvel não é mais tão vantajoso assim, dependendo da hora e local é uma maldição. "Viva qualquer coisa que me tire desta lata de sardinhas!" Viva a bicicleta? Pode ser, mas tem também o patinete, a scooter, a bicicleta elétrica (que não é uma bicicleta, mas dizem que é)...

Apostaram pesado no crescimento de vendas das bicicletas normais na pandemia. Sifu! geral, erro de estratégia grosseiro, falta de leitura de história, falta de referência para entender o que estava acontecendo e que iria acontecer. Houve uma explosão das vendas e de usuários durante a pandemia, mas voltamos ao normal, ao que mais ou menos éramos antes da pandemia.

Deve ter aumentado o número de usuários de bicicleta, dizem e acredito, mas principalmente da bicicleta elétrica (que não é uma bicicleta, mas dizem que é). Dá para falar em aumento porque as boas oficinas estão cheias de trabalho, é o que está sustentando tudo. As vendas já sabia que estavam fracas, pelo menos nas bicicletarias. Estive conversando com alguns gerentes da Decathlon e eles estão felizes. Por que? Preço x qualidade x facilidade de pagamento, e a meu ver mais um pequeno detalhe: bom atendimento.  

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Consertar ou fazer manutenção, tudo demanda ordem.

Quem já teve a grata experiência de ver os mecânicos de Fórmula 1 trabalhando nos boxes tem uma referência preciosa de como se deve fazer mecânica, manutenção ou consertos. Vale para tudo, inclusive para bicicletas.
  • olha o problema com calma
  • analisa e avalia o que deve ser feito
  • define o ambiente para fazer o serviço: bicicleta fixa com espaço para sua movimentação
  • espaço apropriado para as ferramentas e peças e completamente limpo para o serviço 
  • separa as ferramentas e reparos necessários
  • coloca eles a mão e próximos ao que deve ser consertado ou reparado
  • posiciona tudo em ordem que será usado: primeiro esta ferramenta, depois aquela...
  • pegou, usou, devolveu para o mesmo lugar que estava antes
  • soltou algum parafuso ou peça, coloca separado e em ordem de desmontagem
  • caso necessário, tenha vasilhames para depositar parafusos, porcas, arruelas e peças pequenas
  • limpe o que for necessário longe das ferramentas e outras peças 
  • ferramenta sujou, limpa antes de reusar
  • antes de fechar, dê uma última olhada para ver se está tudo certo
  • fechado, terminado, testa ainda onde foi feita a manutenção
  • Na F1 eles fazem um shake down, ou teste em condição real para ver se está certo.
  • limpe todas as ferramentas antes de voltar a bancada ou caixa de ferramentas
  • tudo guardado olhe para ver se não ficou nada fora do lugar
  • limpe tudo. 
Tive a oportunidade de ver alguns dos melhores mecânicos de bicicleta deste país trabalhando e posso dizer que os procedimentos são muito próximos ao que descrevo acima, padrão F1, que deve ter como base o padrão mecânica da aviação aeroespacial, sim aeroespacial. 

Mesmo num conserto de furo de pneu no meio do nada é bom que se siga algumas regras: colocar tudo em ordem e a mão num ambiente o mais limpo possível, e se disciplinar para o 'pegou, voltou para o mesmo lugar'. Que nunca nada saia de sua vista. Desmonte e monte com muito cuidado para que todas as peças continuem na sua mão, ou bem guardadas no chão, longe dos pés, de preferência.

Estas dicas valem só para serviços? Não. Decidi escrever este texto porque perdi, ou esqueci, meu boné num café. Tenho um problema com atenção e aprendi a me disciplinar para evitar estes erros, que mesmo assim acontecem. Fiz tudo correto, mas esqueci de prender ele na minha mochila. Tomei o café com a mochila em cima do boné, que é tão preto quanto o estofado. Resultado: acabou ficando lá. Para meus pulos de alegria eu me lembrei de onde poderia estar e o pessoal do café foi gentil e guardou.

É lógico que algumas vezes a gente faz besteiras por puro cansaço. Um dia destes, bem atrasado, saindo correndo, nem a pau encontrava a chave das portas. Quase fiquei louco. Controlei o desespero, parei, repassei todos passos antes de estar pronto para sair (?) e depois de ter feito passo a passo tudo, já convencido que estava preso em casa e perderia o dentista, lembrei que tinha tomado um copo de água. Abri a geladeira e lá estava a chave junto com a garrafa d'água. 

Ter disciplina diária nas ações mais triviais é um exercício para evitar pequenos erros enlouquecedores. 
Vale lembrar um dos princípios do Budismo: Não existe liberdade sem disciplina. Pura verdade.